É necessária uma primeira observação óbvia: o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) não pode nem deve substituir a autoridade monetária e fiscalizadora, o Banco Central. O sistema brasileiro de seguro de proteção ao crédito bancário pode ser definido pelas seguintes características, plenamente autoexplicativas, quais sejam: proteção explícita e cobertura limitada até R$ 70 mil por cliente/CPF, adesão compulsória, origens dos recursos arrecadados ex-ante e utilização exclusiva de recursos privados das instituições financeiras, com gestão igualmente privada. Não é dinheiro do público poupador, mesmo que os custos sejam suportados pelo consumidor final, como acontece em qualquer economia moderna.
No entanto, o FGC não pode ser mais um "longa manus" do Banco Central nem um prestamista de última instância. O Banco Central está impedido pela Lei de Responsabilidade Fiscal de qualquer auxílio financeiro com recursos públicos. Como diz a lei, não pode socorrer instituições do Sistema Financeiro Nacional, "ainda que mediante a concessão de empréstimos de recuperação ou financiamentos para mudança de controle acionário", mesmo que possa "conceder às instituições financeiras operações de redesconto e de empréstimos de prazo inferior a trezentos e sessenta dias".
É fácil e cômodo usar o FGC e seus recursos para buscar uma solução de mercado para qualquer banco insolvente (e agora, nomeando o FGC como administrador temporário do Cruzeiro do Sul), mas extremamente perigoso, como forma de incentivo aos demais agentes econômicos.
Conhecido na literatura como risco moral, é a situação onde os custos não são arcados por quem agiu, mas por toda a sociedade. A relação é desequilibrada e nociva, já que, inversamente, aquele que age obtém os ganhos em proveito próprio, mas o prejuízo é socializado, incentivando o problema do risco desmedido ou do risco irresponsável.
O conceito de risco moral é o da "rede de proteção", segundo o qual sempre haverá mecanismos para resgatar o agente que incorreu em tamanhos riscos (valendo a máxima de que, se o salvamento é automático e independe do risco, maior será a vontade de arriscar-se).
Se o FGC assumisse a insuficiência patrimonial do banco Cruzeiro do Sul, repassando a instituição a terceiros (como o BTG, conforme amplamente divulgado pela imprensa), teríamos a esdrúxula situação de socializar, por meio do FGC, os prejuízos, mas não os lucros, num exemplo bem acabado de risco moral.
Não há mais espaço nas instituições democráticas brasileiras para comportamentos institucionais como esses. Nada mais urgente do que redefinir o papel do BC (e por conseguinte, do FGC) no Sistema Financeiro Nacional.
Fonte: estadao.com.br |